A disputa Arduino X Arduino, parte III - ouvindo o outro lado

O CEO da empresa de Gianluca Martino, que se opõe a Massimo Banzi e os demais co-fundadores do Arduino, expôs seu ponto de vista sobre a disputa.

Já dura alguns meses a batalha jurídica, comercial e de relações públicas entre os 2 grupos que se vêem como reais representantes (ou proprietários) do projeto Arduino. De um lado, Massimo Banzi e os outros co-fundadores do projeto, que controlam o tradicional site arduino.cc, a empresa norte-americana Arduino LLC e o desenvolvimento da IDE original; de outro, Gianluca Martino, também co-fundador do projeto e, desde 2008, proprietário da empresa – hoje chamada Arduino SRL – que produz(ia) as placas oficiais do projeto, na Itália, e hoje é proprietária do site arduino.org e está desenvolvendo uma nova IDE.

Já narrei os fundamentos da disputa em fevereiro e em março. Desde então algumas coisas mudaram, incluindo o anúncio (pelo lado do Massimo) de que – já que eles no momento só controlam a marca Arduino nos EUA, e no restante do mundo ela pertence ao lado do Gianluca – as suas placas passariam a ser fabricadas oficialmente nos EUA e na China, e comercializados com um novo nome: Genuino.

Hoje temos a oportunidade de saber um pouco sobre o ponto de vista contrário, algo sempre importante para formar opinião sobre uma disputa. Continuo achando cedo para tomar partido, e é bem possível que as afirmações de Federico Musto, atual CEO da empresa de Gianluca, tenham sido especialmente escolhidas para mostrar apenas o seu "lado bom". Mesmo assim, de modo geral, o discurso apresentado parece fazer algum sentido e merece atenção.

As informações a seguir vêm da matéria de hoje no Hackaday, baseada em entrevista de Federico Musto, cuja leitura integral eu recomendo. Pincei apenas algumas afirmações, com comentários meus.

  • Segundo Musto, Gianluca Martino tem a marca registrada internacional porque solicitou esse registro no momento em que percebeu que produtores de clones e variações das placas e acessórios Arduino estavam oferecendo-as usando o mesmo nome da original, e ele (Gianluca) já havia investido parte considerável de seu patrimônio no aparelhamento necessário para produzir as originais. As discussões a respeito com os demais fundadores (que não haviam feito o mesmo investimento) não deram resultado, aí ele foi lá e registrou, e desde então foi esse o registro que permitiu evitar que outros fabricantes anunciem suas versões como se fossem propriamente Arduinos. Não sei se é verdade, mas acompanhei de perto dois casos similares no Brasil (com o registro das marcas Linux e OpenOffice). No caso da marca Linux, o registro foi feito independentemente por uma empresa brasileira para evitar que caísse em mãos erradas, e transferido ao criador do sistema (Linus Torvalds) assim que o contato com ele foi estabelecido.
  • Os processos em andamento em cortes europeias e norte-americanas são vários:
    1. Cada empresa está com processo aberto para buscar invalidar o registro da marca pelo outro lado, no país em que o mesmo foi realizado. No caso do processo da turma do Massimo contra a turma do Gianluca para cancelar o registro na Itália, já houve uma decisão liminar (sobre uma ação adicional, tentando impedir a Arduino SRL de comercializar suas próprias placas na Itália) a favor do Gianluca, mas o caso ainda tramita. Para o caso nos EUA, a primeira decisão deve sair no início de 2016.
    2. O CEO entrevistado, Federico Musto, precisou processar (nos EUA e na Suiça) a turma do Massimo quando se associou a Gianluca na empresa Arduino SRL, porque estavam tentando evitar que ele tivesse acesso aos registros contábeis. Ele venceu ambos os casos.
    3. Aquele popup que apareceu brevemente na IDE original do Arduino, que descrevia as placas da Arduino SRL como não genuínas, foi removido rapidamente mas não por iniciativa da turma do Massimo, e sim devido a movimentações jurídicas da turma do Gianluca, já que a decisão sobre o status de propriedade das marcas está em análise judicial.
  • O CEO Musto descreve essas batalhas judiciais como se fossem, de modo geral, reações a atitudes iniciadas pelo outro lado. No caso do acesso aos registros contábeis e do popup da IDE, dá mesmo essa impressão. Quanto ao impedimento do outro lado usar a marca, talvez a data de início dos processos permita verificar.
  • Ele também expôs que a marca Genuino, com tipologia e cores bastante similares à marca Arduino, talvez também infrinja o registro existente e, caso isso seja demonstrado, é possível que ele busque o impedimento ou suspensão de seu uso, também judicialmente.
  • Outro ponto em que ele expressa que sua ação foi na verdade uma reação foi a criação do domínio arduino.org. Segundo ele, o outro lado subitamente cancelou as contas de e-mail da turma do Gianluca (e da empresa), que eram no domínio arduino.cc, e assim eles naturalmente precisaram ter um novo domínio. Imagino ser possível que eles tenham dado causa para esse cancelamento, mas só saberemos se alguém contar.
  • O mesmo vale para o fork da IDE: segundo ele, o desenvolvimento só foi iniciado quando souberam do infame popup na IDE original. Francamente, eu também buscaria fazer a minha própria, nessas condições.
  • Segundo Musto, uma solução possível para o caso de os 2 lados jamais chegarem a uma solução aceitável entre si seria a criação de uma fundação no modelo da Mozilla Foundation, com governança similar à do projeto Debian.
  • Ele falou também sobre ideias de novos produtos, aparentemente para fazer frente a concorrentes como as placas baseadas no ESP8266, o Raspberry Pi e a linha LittleBits. Poucos detalhes a respeito.
  • Sobre um sucessor para o Uno ele falou um pouco mais: um novo modelo, com processador ARM mas mantendo a compatibilidade de formato e pinagem, a ser anunciado no terceiro trimestre.

Para ser sincero, não cheguei a nenhuma conclusão nova, mas ampliei minha certeza de que há mais fatos sendo considerados do que o lado do Massimo deixou voluntariamente chegar ao conhecimento do público. Vamos aguardar

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Por Augusto Campos, autor do BR-Linux e Efetividade.net.

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